sexta-feira, 24 de julho de 2009

OS FAZENDEIROS E O DECRETO 6514

“Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo até que não haja mais espaço disponível, até serem os únicos moradores da terra” (Isaias 5.8).

Sem nenhuma intencionalidade religiosa utilizaremos referências bíblicas, considerando que é um livro bastante divulgado e conhecido por muita gente... Nela encontramos alguns princípios orientadores sobre questões como “propriedade”, “posses”, “bens”, dentre outros. Gostaria de esclarecer os “lugares” de onde estou falando. O lugar existencial: sou um Ser Humano, limitado, passageiro, mortal... O lugar ideológico: sou Cristão, Marxista, Educador, Camponês, Historiador, Filósofo, Naturalista, Ambientalista. O lugar físico: o campo, em Três Passos/Candói (onde pernoitei depois que nosso automóvel teve problemas mecânicos), com minha Mãe e meu Pai. É de todos estes lugares que escrevo. E não dá para separar as coisas.Estando ali em Três Passos, no sossego daquele lugar, em uma noite de maravilhosa lua cheia, ouvindo os sons dos animais e aves silvestres e domésticos, fui impactado pela realidade da e do Cosmos! Antes de ficar em estado horizontal deparei-me com uma “Revista do Produtor Rural”, órgão dos Sindicato Patronal de Guarapuava e região. Sua capa traz como manchete o “Decreto 6514 e Áreas Úmidas”, com um comentário logo abaixo: “Entrave para o desenvolvimento do setor agropecuário. Produtores rurais pedem maior equilíbrio e racionalidade”. Li toda a matéria antes de dormir... Logicamente que com muito ‘equilíbrio e racionalidade’. Não, porém sem indignação! O foco da matéria são os banhados, um Bioma específico, também chamados de pântanos ou várzeas. Mas trata também da Reserva Legal (RL) e da Área de Proteção Permanente (APP). A matéria, para ser honesto, não chega perder o “equilíbrio e a racionalidade”. Ponto para eles! Há falas d@ jornalista (sem identificação na matéria), de Roloff, de Macedo (nosso amigo), de Burko, dentre outros.Pois bem! Estando em Três Passos levantei-me antes das seis horas da manhã e pus-me a contemplar a grande Mãe Natureza, da qual sou parte ínfima e provisória no estado atual (com este corpo físico e esta aparência) e avaliei que não sou louco o suficiente para esquecer a minha condição, a brevidade e a fugacidade da vida!Diante da matéria jornalística e da exuberante Natureza perguntei-me sobre alguns aspectos desta disputa entre os chamados “proprietários rurais” e a Legislação Ambiental em vigor. Uma primeira pergunta que não se cala é: ‘Por que tanta terra para poucas Famílias?’ Está provado que uma Família com posse e uso de 10 alqueires, pode tirar dali seu sustento, ter renda e a manutenção das condições de vida.Daí vem a segunda pergunta: ‘Por que tem que se produzir tanto e cada vez mais soja e bois?’ Eu não como carne bovina nem soja! Entretanto sei que não posso pensar só em mim... Mas a matemática é bem simples: menos gado bovino, menos áreas de pastagem e menos áreas de produção de cereais para animais, mais áreas para produção de alimentos humanos e mais áreas de terra para que Trabalhadores tenham acesso a Terra (através da Reforma Agrária). Por outro lado teremos menos fazendeiros tendo que Trabalhar tanto (e mais!) sozinhos e/ou com suas gigantescas máquinas, ou tendo que fazer outros Trabalharem para eles (granjeiros) e não terem que acumularem mais e mais riquezas até não saberem onde colocarem!Ao avaliarmos o quanto “a vida é breve”, vivemos pouco tempo desde que contemplamos a luz deste mundo pela primeira vez, somos convidados ao que diz o salmista: “Setenta anos é o tempo de nossa vida, oitenta anos, se ela for vigorosa; e a maior parte deles é fadiga e mesquinhez, pois passam depressa, e nós voamos” (Salmo 90. 10).Continuando minha reflexão, perguntei-me ‘Qual é o sentido da Vida?’ Muitas respostas há! Umas coerentes outras ‘escapistas’, fugidias e alienantes. E avaliei de acordo com os princípios e a consciência que tenho sobre a existência, a vivência, a relação, o Trabalho, a produção, a construção, que a Vida só têm sentido se medirmos as consequências ao Ser Mulher, Ser Homem e ao seu Meio. Só tem sentido se medirmos a nossa responsabilidade sobre o que fazemos (realizamos, construímos) e o que vamos deixar para as gerações futuras (que também passarão! Antes fosse como disse o Poeta: “Eles passarão, eu passarinho!”). E desta vem a próxima pergunta: ‘Que Planeta, que Solo, que Ar, que Água, enfim, que Ambiente vamos deixar como herança para os pósteros (os que já estão chegando) e que ficarão neste espaço que agora ocupamos?’ Retornando à matéria (ou matérias, pois diariamente matérias com reclamos do Latifúndio estão nos jornais), o que nos chama a atenção é que estes pobres latifundiários sempre posam de vítimas, dizendo que não são criminosos, que são “os mocinhos do Brasil”! Dizem-se prejudicados pela irracionalidade das Leis (exigências de APP e RL), pelas pressões dos Órgãos governamentais e pelo radicalismo dos Ambientalistas e pela consequente “redução das áreas de agropecuária”. Vejamos um exemplo citado na aludida revista onde ela mostra o mapa de um “Imóvel situado no Distrito de Entre Rios, em Guarapuava. Dos 282,1549 ha de lavouras, 20,2905 ha deverão ser convertidos em Reserva Legal devido ao entorno protetivo do banhado” (p. 27). Na legenda ao lado do mapa são apresentados todos os dados com os respectivos dados numéricos da área, que soma o total de 354,8420 ha. Vejamos agora a situação do POBRE: devido à conversão de parte da área agricultável em APP e RL ele ficaria com os míseros 260 ha. Teria 'perdido' 20 ha. A Natureza já tem dado tanto a ele (a nós todos) e ele considera demais deixar um pouquinho para ela. ‘É o fim da rosca!’ Fico tentando raciocinar como pensa a cabeça de um proprietário, que diz: “Isso é meu! Aquilo me pertence! Eu produzo tanto!” Pobre coitado, miserável! Ele próprio pertence à grande Mãe Terra! Logo, quando ele perder as suas funções vitais (morrer) voltará a ser húmus (daí ‘homem’) como está escrito no livro do Gênesis “Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó retornarás” (Gn 3.19). Talvez sua consciência (será que ainda tem) o fará (‘Deus nos livre! ’) ver que ele pertence à terra. Hoje é o tempo e o lugar da Mulher e do Homem perceberem a loucura de uma vida voltada apenas a produzir bens, não importando a que custos e sem considerar o modo como utiliza as florestas (onde estão as florestas?), o solo, o Meio Ambiente, em geral, e as consequências, os resultados finais de suas Vidas e de suas ações.'Qual é o sentido da Vida?' A Vida só tem sentido se não a vivermos de forma egoísta, imediatista, consumista, predatória... Mas como frear a autodestruição humana se nem estas (e outras) letras/linhas os “produtores” conseguem ler ou têm a capacidade de interpretar? Talvez só a rigidez e a força da Lei os farão mudar de comportamento e de atitudes pela ‘dor do bolso’! A Vida só tem sentido se não deixarmos de sonhar e Trabalhar em cima de Projetos de Vida!
Fonte bibliográfica:1. A Bíblia de Jerusalém, nova edição, revista. São Paulo: Ed Paulinas, 1985.2. Revista do Produtor Rural. Sindicato Rural de Guarapuava: nº 09, set-out/2008.

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