quinta-feira, 10 de março de 2011

A NUCLEARIZAÇÃO DAS ESCOLAS EM CANDÓI IV: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acima: As respigadeiras, Jean-François Millet (1814-1875).
Abaixo: releitura representando o 'esvasiamento do campo'
(ou êxodo rural).
Esta série de quatro artigos, que ora encerramos, sobre a Nuclearização das Escolas Rurais de Candói, é resultado de uma pesquisa que foi o trabalho de conclusão durante o Curso de Especialização em Educação do Campo, pela Universidade Federal do Paraná (entre 2006 e 2008). E os resultados, as afirmações e as considerações constituem a contribuição das entrevistas feitas com cidadãos/ãs do Município de Candói, sejam eles/as professores/as, mães, pais e lideranças. E esta pesquisa se insere na categoria de pesquisa historiográfica, pois afinal, o papel do historiador é buscar os vestígios, as fontes documentais e os testemunhos para poder sistematizar e elaborar os Registros da História.

O objetivo do desenvolvimento do tema pesquisado (O PROCESSO DE NUCLEARIZAÇÃO EM CANDÓI - SUA RELAÇÃO COM OS CONTEXTOS COMUNITÁRIOS E A EDUCAÇÃO DO CAMPO) foi realizar uma primeira recuperação da memória histórica a partir de “outros olhares” que não fossem apenas o “olhar oficial”, o do “poder publico” ou dos “governantes”, pois nenhum governo é iluminado ou “dono da verdade”. E este trabalho constitui a memória recuperada através da “voz do povo”. Esta pesquisa não é completa, pois é próprio da pesquisa histórica o caráter de provisoriedade, mas é suficiente para fazer justiça à memória de educadoras do “meio rural” ou do campo, que deram suas vidas pelo desenvolvimento da Educação nas Comunidades. É um meio de reconhecer a importância das comunidades do campo que historicamente ficaram a margem de todas as políticas públicas e quando lhes restava aquela que para elas era a mais significativa, a Educação Rural, lhes foi arrancada impiedosamente, como quem dá “um tiro de misericórdia”!

Segundo depoimentos de algumas professoras e lideranças, que trabalharam na escola rural antes e depois da Nuclearização, a qualidade do ensino piorou bastante. Entrevistada uma professora, diretora de escola, diz: “Nós professores procuramos trabalhar com o currículo em favor da realidade, do ambiente, onde eles vivem. Porque não adianta eu trabalhar um currículo lá de Curitiba, se estou vivendo no Candói. Na época que surgiu o aquele programa lá (...) do Bom Jesus, a escola estava (...) no nível de 'primeiro mundo'. Onde teve professora que não conseguiu entender, desempenhar esse programa. Os alunos ficaram na estaca zero. E eu vim assumir uma sala (...). E uma pessoa veio lá em casa me falar: 'Primeiro mundo!' Eu disse: 'Primeiro mundo' o quê? Olhe aqui, fiz prova de 4ª série e não souberam fazer quanto é dois mais dois! Isso aí é 'currículo de primeiro mundo'? Nós tínhamos que saber lá da cidade de Curitiba... Vamos pegar um currículo aqui do município de Candói. A realidade nossa, dos nossos alunos, da nossa agricultura, da nossa pecuária, do nível de vida nosso, não do nível de capital, de Curitiba. Aquele dinheiro lá se tivesse sido empregado na escola para comprar o que precisasse dentro da escola, ampliar mais professores para trabalhar... Só que eu, no meu ver, como professora (...), eu achei que aquilo lá, programa lá... Como é que vai trazer um programa lá que os outros fizeram. Por que os nossos professores do Candói não podem criar um programa, como o que criamos agora e está dando certo? Os alunos estão aprendendo, eles estão indo lá para 5ª série lendo, escrevendo, fazendo as quatro operações e sabendo bem o tema que a gente passa para eles? Para se defender eu acho que... A nossa realidade é Candói, não é Curitiba! (...)” (GM, depoimento, 2007).

Uma Professora, então fora da ativa, desenhou outro quadro, com outras peculiaridades, que dão razão suficiente para que as escolas rurais que haviam tivessem continuado. Afirma: “A criança tem quarenta por cento do aproveitamento que ela teria se ele tivesse no seu ambiente natural. Porque, professor Sergio, eu não sei, aqui a gente trabalhava um sistema assim, a gente fazia com as crianças o trabalho, a divisão do trabalho durante o dia. Lá (na escola núcleo) a gente era interrompida todo momento por um professor, por um diretor, por alguém que ia dar um aviso, por alguém que batia um sinal. Então não tinha como você fazer a criança se ligar no assunto, concentrar ali naquele trabalho. Eu achei assim, desde a solidariedade daquelas crianças... A cooperação de um com o outro, eles não querem saber, não gostam de um ajudar o outro, porque cada um por si e Deus por todos e acabou! Aqui (na escola localizada na comunidade rural) funcionava bem diferente. A criança se sentia..., era o maior valor que ela tinha (...), dela poder ajudar o coleguinha, pra ele se sentir valorizada. Lá já não! Não tinha esse empenho, esse interesse. A criança não tem aquela vontade de aprender. Eu achei que a nuclearização reduziu o ensino (...). Tudo traz em si alguma conseqüência" (AF, depoimento, 2007).

Muitos outros depoimentos poderiam ser citados aqui, com a mesma lógica de análise, mas nosso espaço é reduzido. Limitamos-nos a destacar ainda os resultados posteriores a Nuclearização para as comunidades. A Nuclearização significou um forte estímulo para se buscar a cidade, esvaziar o campo e deixar a terra livre para o latifúndio, a monocultura e o agronegócio. Ao mesmo tempo fez os filhos dos camponeses perderem sua identidade e suas referências de espaço e tempo. Para a cidade a Nuclearização significou o inchaço e a disponibilidade de uma mão de obra abundante ou, como diz Marx, a criação de um “exército de reserva”. Obviamente que não se pode atribuir o esvaziamento do campo apenas à Nuclearização. Mas sem dúvida a Nuclearização chegou para reforçar o desencanto do campo, que secularmente ficou fora de todos os processos públicos de reconhecimento, incentivo e apoio!
Este artigo foi publicado inicialmente no Jornal Vale do Iguaçu, nº 22, 10/03/2011.

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