Parece que o seguimento, a vivência cristã, se resume em se reunir, prestar um culto a Deus, que muitas vezes dá a impressão que se destina a outras entidades ou a pessoas que estão diametralmente contra a essência das boas novas da revelação em Jesus.
E este culto ou celebração... se realiza através de hinos, orações, por vezes coletas (atualmente, em muitas assembleias, precedidas de uma "pregação" enfadonha e constrangedora; há tempos - ano 2016 - em uma destas assembleias eu já tinha feito a minha oferta, mas a insistência foi tão grande que me vi na obrigação de pegar o cartão de crédito e levar até a máquina, ao fundo da "igreja", e fazer mais uma oferta). A centralidade na coleta do dinheiro (bem como a questão do dízimo) se caracteriza pelo viés do capital, digo, a instituição eclesial procede da mesma forma que a burguesia faz com a classe trabalhadora, baseada na exploração sem dó nem piedade, por vezes, até o último recurso das pessoas, tendo como pressuposto uma espécie de barganha com o divino, do tipo "você dá a Deus e ele te abençoa com a prosperidade."
Na continuação do culto há o anúncio da Bíblia que, supostamente, é a Palavra de Deus. Digo supostamente porque se 'ensina' uma babilônia de coisas que estão equidistantes de tudo o que vem do Mestre de Nazaré. Além do mais, neste processo de distanciamento do original, durante a celebração, há um ritualismo vazio com o qual as pessoas (fiéis) se acostumam e acham que é normal (normose) e até essencial como testemunho da sua fé e como meio de agradar a Deus.
Quanto ao mais, muitas congregações se caracterizam pelo exclusivismo, o puritanismo (seus membros são os melhores, os únicos, os santos!) como se nao pudesse haver amizade com outras pessoas fora da 'minha bolha'. Sua postura é marcada pelo moralismo (para não dizer falso moralismo), enquanto questões candentes, como os necessitados da assembleia ou aqueles que estão ao redor dela, na comunidade, são simplesmente ignorados como se fossem naturalmente próprios da "paisagem". Seu jeito de se apresentar (roupas, cabelo, alimentos) é condicionem sine qua non de que se é salvo ou não!
A igreja, a assembleia dos discípulos e discípulas de Jesus de Nazaré, que na compreensão dos estudiosos biblistas e da vida cristã, é o sinal e instrumento do Reino de Deus, ocupa a centralidade da organização, do ensino, da doutrina, em prejuízo daquele do qual mal se faz referência ou se fala como algo distante, utópico... No entanto, apesar de o termo igreja ser citado apenas duas vezes por Jesus (Mateus 16 e 18), sobre o Reino de Deus ele fala cerca de 90 vezes ao logo dos Evangelhos. No entanto, com base nas falas de Jesus de Nazaré o Reino de Deus já está entre nós e ainda não (porque será completo ao final dos tempos, quando da manifestação de Jesus Cristo). Ele falou da sua primazia em nossa vida (Mt 6.33), que já está em nosso meio (Lc 17.21), que ele está próximo (Mc 1.15). E o apóstolo Paulo escreveu sobre suas características: "O Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14.17).
Pois bem, feita esta pequena análise de como percebo o chamado cristianismo, gostaria de fazer uma referência, dentre inúmeras com as quais tivemos acesso, a uma obra que, providencialmente, veio ao nosso encontro na semana anterior, durante a Escola do MPA Sul (em Guarapuava). Vou fazer uma citação literal sem interpretações do original. Wolff em sua obra, ao trazer uma análise da concepção de cristianismo (utilizando-se do metodo de análise do velho barbudo) afirma sua oposição a:
"Um idealismo sem relação com o concreto; uma forma de alienação da realidade; compromisso em manter e defender a sociedade de classes vigente; alívio emocional e de culpa, através da caridade e da ritualização religiosa."¹
Pouco antes, ao tratar sobre a visão religiosa, diz Wolff:
A fé bíblica é um elemento vivo, inserida nas lutas concretas dos explorados, expropriados e oprimidos ao longo da história por uma sociedade não classista, livre, igualitária, de irmãos/irmãs. Portanto, ela se renova diante dos desafios concretos, incorporandonovos elementos e projetando novos caminhos do Projeto de Deus.²
Ao final desta referência, sem pretender "provar Mundos e fundos" com apenas um autor, vou encerrando provisoriamente esta matéria com a intenção de retornar e aprimorá-la com mais profundidade.
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¹. WOLFF, Güinter Adolf. O Projeto Político Revolucionário Global de Deus para a Humanidade. Florianópolis: Fedayin, 2023.
². Idem. P. 16.