"Os medicamentos
que curam completamente, não dão lucro"
Entrevista
com Dr. Richard J. Roberts, Prêmio Nobel da Medicina 1993.
Tenho 63 anos e o pior do
envelhecer é ter muitas verdades como sagradas, pois é quando é realmente
necessário fazer perguntas.
Nasci em Derby e o meu pai
era mecânico, ofereceu-me um kit de química e ainda gosto de brincar. Sou
casado tenho quatro filhos e sou tetraplégico devido a um acidente. O que me
estimula é a investigação e por isso ainda a faço, participo no Campus for Excellence.
- A pesquisa pode ser planeada?
Se eu fosse ministro da
ciência procuraria pessoas entusiasmadas com projetos interessantes. Bastava
financiar para que aparecessem em 10 anos resultados surpreendentes.
-
Parece uma boa política.
Acredita-se geralmente que
financiar a pesquisa é o bastante para se poder ir muito longe, mas se se quer
ter lucros rápidos, tem de se apoiar a pesquisa aplicada.
-
E não é assim?
Muitas vezes as
descobertas mais rentáveis são feitas baseadas em perguntas básicas.
Foi assim que foi criado,
com bilhões de dólares, o gigante da biotecnologia dos EUA, a firma para quem
eu trabalho.
Como
foi criado esse gigante?
A biotecnolgia apareceu
quando apaixonados pela matéria se começaram a questionar se poderiam clonar
genes. Assim se começou a estudar e a purificá-los.
-
Uma aventura por si só.
Sim, mas ninguém na altura
esperava enriquecer com essa matéria, foi difícil arranjar financiamento para
as pesquisas, até que o Presidente Nixon em 1971 resolveu lançar a guerra
contra o cancro.
-
Foi cientificamente produtivo?
Permitiu muitas pesquisas,
uma delas foi a minha, com uma enorme quantidade de fundos públicos, com
pessoas que não estavam diretamente ligadas ao cancro, mas foi útil para
compreender os mecanismos que permitem a vida.
-
Que foi que o Prof. descobriu?
Phillipe Allen Sharp e eu
descobrimos o ADN em íntrons eucarióticas e mecanismo de "splicing"
do gene, e fomos bem recompensados.
-
Para que foi útil?
Essa descoberta levou a
perceber como funciona o ADN, no entanto tem apenas uma ligação indireta com o
cancro.
- Que
modelo de pesquisa parece mais eficaz para você, o americano ou o europeu?
É óbvio que os EUA, onde o
capital privado tem um papel ativo, é muito mais eficiente. Tomemos por exemplo
o progresso espetacular da indústria de computadores, onde o dinheiro privado é
que financia a pesquisa básica aplicada, mas para a indústria da saúde... eu
tenho as minhas reservas.
-
Eu escuto.
A pesquisa sobre a saúde
humana não pode depender apenas de sua rentabilidade. O que é bom para os
dividendos das empresas, nem sempre é bom para as pessoas.
-
O senhor poderia explicar?
A indústria farmacêutica
quer servir o mercado de capitais...
-
Como qualquer outra indústria...
Não é apenas qualquer
outra indústria, nós estamos a falar sobre a nossa saúde e as nossas vidas, os
nossos filhos e milhões de seres humanos.
-
Mas se eles são rentáveis, eles vão pesquisar melhor.
Se você só pensar em
benefícios, você vai parar de se preocupar em servir as pessoas.
-
Por exemplo?
Eu vi que em alguns casos,
os cientistas que dependem de fundos privados descobriram um medicamento muito
eficaz, que teria eliminado completamente uma doença...
-
E porque parar de investigar?
Porque as empresas
farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessados na cura mas na obtenção de dinheiro,
assim a investigação, de repente, foi desviada para a descoberta de
medicamentos que não curam completamente, tornam isso sim, a doença crônica.
Medicamentos que fazem sentir uma melhoria, mas que desaparece quando o doente
pare de tomar a droga.
-
É uma acusação grave.
É comum que as empresas
farmacêuticas estejam interessadas em pesquisas que não curam, mas que apenas
tornam as doenças crônicas, com drogas mais rentáveis, do que medicamentos que
curam completamente uma vez e para sempre. Você só precisa seguir a análise
financeira da indústria farmacêutica e verificar o que eu digo.
-
Estão a matar dividendos.
É por isso que dizemos que
a saúde não pode ser um mercado e não pode ser entendida meramente como um meio
de ganhar dinheiro. E eu acho que o modelo europeu de capital privado e público
misto, é menos susceptível de encorajar tais abusos.
-
Um exemplo de tais abusos?
Pararam investigações com
antibióticos porque estavam a ser muito eficazes e os doentes ficaram
completamente curados. Como novos antibióticos não foram desenvolvidos, os
organismos infecciosos tornaram-se resistentes e a tuberculose hoje, que na
minha infância tinha sido vencida, reaparece e matou no ano passado um milhão
de pessoas.
-
Está a falar sobre o Terceiro Mundo?
Esse é outro capítulo
triste: doenças do Terceiro Mundo. Dificilmente se fazem investigações, porque
as drogas que iriam combater essas doenças são inúteis. Mas eu estou a falar
sobre o nosso Mundo, o Ocidental : o remédio que cura completamente não é
rentável e, portanto, não é pesquisado.
-
Há políticos envolvidos?
Não fique muito animado:
no nosso sistema, os políticos são meros empregados das grandes empresas, que
investem o que é necessário para que os "seus filhos" se possam
eleger, e se eles não são eleitos, compram aqueles que foram eleitos.
O dinheiro e as grandes
empresas só estão interessados em
multiplicar. Quase todos os políticos - e eu sei o que quero dizer, dependem
descaradamente destas multinacionais farmacêuticas, que financiam as suas
campanhas.
O resto são palavras...
Fonte: AQUI.
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